Em Fevereiro deste ano o Folha 8 revelou o que, agora e cada vez com maior insistência, parece ser uma inevitabilidade. Um golpe de Estado no nosso país para depor José Eduardo dos Santos ou, para tentar evitá-lo, uma purga.
Por Orlando Castro
E, segundo os serviços de informação dos EUA e de alguns países da Europa, tudo se passa no seio do MPLA, partido que dirige o país desde 1975 e que é comandado pela mesma pessoa desde 1979. A Oposição nada tem a ver com a situação mas, é claro, acabará por ser um bode expiatório oportuno, como revelou hoje o do Interior, Ângelo Veiga Tavares.
De acordo com informações diplomáticas ocidentais, baseadas nas informações oriundas do nosso país, é cada vez maior e mais crispado o ambiente nas altas esferas do MPLA, do Governo e da Presidência da República, com diferentes núcleos a contestar a liderança de José Eduardo dos Santos. O cenário conhecido ainda não é tratado como de golpe mas como de “latente convulsão”.
No âmago da contagem de espingardas estão os sectores da defesa e da segurança, manifestamente desagradados com a falta de poder e com a constante e crescente perda de credibilidade, considerada como resultado do enclausuramento do Presidente da República e da sua atávica tendência autocrática. Embora esta seja uma característica antiga, durante a guerra tal realidade foi diluída pelo conflito. Com o advento da paz, a sociedade castrense também se apercebeu que, afinal, se o poder corrompe, o poder vitalício corrompe por toda a vida.
José Eduardo dos Santos terá concluído que, afinal, em vez de garantir a inviolabilidade do regime, o Serviço de Inteligência e Segurança de Estado – SINSE, está a cometer arbitrariedades atrás de arbitrariedades, de nada valendo ter meios materiais sofisticados se os seus quadros são de um nível muito baixo.
Na altura em que o Folha 8 levantou esta questão, Fevereiro deste ano, altos dignitários do MPLA, quase todos pertencendo ao escalão dos históricos, aumentaram os seus contactos secretos para, a nível do partido, aquilatarem da possibilidade de fazerem alguma coisa para alterar a autocracia do regime, começando pelo próprio José Eduardo dos Santos.
Muitos desse contestatários são velhos companheiros de Eduardo dos Santos, muitos são da mesma geração do Presidente. Isso não os impede de, nesta altura, dizer que o líder do partido desde 1979 só olha para o seu umbigo e para o da família, comprando fidelidades políticas e militares a peso de ouro.
E se as acusações, mais do que comprovadas, de que Eduardo dos Santos fez, faz e fará tudo para que a sua família e o núcleo restrito de apoiantes continuem a enriquecer, continuam em cima da mesa, outras há que até agora eram apenas comentadas à boca pequena.
São disso exemplos a crescente centralização em si de decisões políticas que, do ponto de vista legal, lhe estão vedadas, bem como o esvaziamento das instituições do Estado, Parlamento e Procuradoria-Geral – por exemplo, e ainda a minimização ou até mesmo achincalhamento da própria Constituição da República.
Pouco preocupado com as regras democráticas e com a institucionalização de um verdadeiro Estado de Direito, Eduardo dos Santos quer ter todo o poder nas suas mãos, com realce para a segurança, política externa e controlo financeiro.
Mas o Presidente entende que a verdadeira lei fundamental do país é a que ele quiser, quando quiser, sempre que quiser. Nem a Assembleia Nacional, muito menos o Governo, mandam no que quer que seja. Os deputados do MPLA, bem como os ministros, limitam-se a assinar de cruz onde e quando José Eduardo dos Santos mandar. Não importa que a lei diga o contrário. Não importa que a lei diga que a questão da nacionalidade, por exemplo, não é uma prerrogativa do Presidente. O que apenas importa é a vontade dele.
No recente e emblemático caso do BESA, profusamente tratado pelo Folha 8, nomeadamente quanto à garantia do Estado, sabe-se que a Assembleia Nacional deveria ser chamada a dar, ou não, tal aprovação. É claro que daria, mas – mesmo assim – Eduardo dos Santos entendeu que não era preciso cumprir essa formalidade.
Cansado de ter colaboradores que, mesmo a medo, o queriam salvar através da manifestação de ideias diferentes, José Eduardo dos Santos prefere ser assassinado pelos bajuladores. Por isso são muitos os que o rodeiam. Mesmo nestes o nível está pelas ruas da amargura. O núcleo de sipaios que rodeiam o Presidente é constituído por rapaziada jovem sem experiência profissional ou política, socialmente desconhecida. Mas, é claro, têm a qualidade “sine qua non”. Todos dizem: “yes, President”.
Edeltrudes Maurício Fernandes Gaspar da Costa é ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente. Pois. Esse é o cargo, mas quem é ele? Um “ilustre desconhecido” que todavia, tem a vantagem de ser o mordomo, feitor se preferirem, do general “Kopelipa”.
Em teoria, nesta altura de grande BESA(na), o ministro das Finanças, Armando Manuel, deveria ter um papel relevante. Mas não tem. É uma figura decorativa e protocolar.
Manuel António Rabelais, especialista flutuante, é agora, nada mais nada menos, Secretário do Presidente da República para os Assuntos de Comunicação Institucional e Imprensa. Do seu currículo consta a proximidade com os filhos do Presidente, e as velhas negociatas com a entrega da TPA 2 e a criação do GRECIMA para desempenhar o papel do Ministério da Comunicação Social.
Mas se a maioria dos contestatários ainda permanece mais ou menos calada, alguns há que abertamente dizem o que pensam. O veterano e respeitado general na reforma, Manuel Alexandre Duarte Rodrigues “Kito”, embaixador de Angola na Namíbia, quando foi auscultado para se aposentar da diplomacia, não só recusou como disse que o faria quando o Presidente José Eduardo dos Santos também se retirasse.
Embora de forma indirecta, registe-se a atitude do Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, que no discurso de encerramento da última sessão legislativa, quebrou o hábito e não fez nenhuma referência laudatória a Eduardo dos Santos, e, inclusive, contrariou a vontade do Presidente ao manifestar-se a favor da transmissão dos debates parlamentares.
Enquanto isso, o Presidente da República tenta blindar todo o seu círculo interno, humano e material, tapando todas as fugas que possam pôr em causa o seu poder, que pretende vitalício. A isso junta o marketing externo e a tentativa de aparecer nos areópagos internacionais com um estadista de gabarito mundial, peça insubstituível no contexto da paz regional.
Essa blindagem passa igualmente por ter, ou tentar ter, nas mãos as Forças Armadas, atribuindo-lhes funções que escapam ao seu enquadramento institucional, como seja o controlo, vigilância e combate a eventuais distúrbios internos.